sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Homenagem a um Homem que viveu plenamente o seu tempo

O meu Pai, Jorge Ernesto Rodrigues, foi um homem que se fez no período da 2ª Guerra Mundial, numa altura em que valores muito sólidos eram uma fracção importante da personalidade humana. Sentido de honra, de honestidade, da integridade familiar e do dever, eram inquestionáveis, mas o meu Pai ultrapassou a sua época, no aspecto em que através dos livros e da fotografia se cultivou e questionou outros valores mais altos, mesmo antes do 25 de abril de 1974 abrir a porta da liberdade para Portugal. Homem feito também nas ex-colónias de África, Angola e Moçambique, nunca conseguiu "digerir" a perda destas, um pouco em contradição com os ideais de liberdade que sempre cultivou. Homem lúcido, mesmo até á hora da morte, não dispensava a leitura do jornal diário (não podia ser qualquer um), o seu de eleição, o Público, que já quase completamente surdo o mantinha sempre actual, dos factos de Portugal e do Mundo. Homem que viveu intensamente a sua vida de jovem e adulto maduro, aventureiro nas terras de África, casou portanto tarde e por procuração. Ocasionalmente gabava-se de que nunca tinha assistido ao seu próprio casamento. Homem de família, leal, inconformado no aspecto profissional, mas extremamente competente. Homem sem estudos superiores, mas com a sabedoria feita de alguém que o empirismo distinguiu. Por isso discutia qualquer assunto, com fortes argumentos, com quem quer que fosse, mantendo firmemente a sua opinião, o que não poucas vezes lhe custou caro, principalmente nos diversos empregos que teve na vida. Foi no Ensino que estabilizou, depois do 25 de abril, e que penso, passou o seu conhecimento aos mais jovens no âmbito da metalurgia e certamente dos factos da vida. Homem de crenças firmes, mesmo no fim da vida, tinha esperança de recuperar a locomoção, até que a morte o traiu.

Onde quer que esteja, o Sr. Jorge Ernesto Rodrigues, estará certamente a debater a situação e a concertar soluções e a continuar a "viver". Se assim não for, vive no coração de cada um de nós, a sua Família.
 
O filho: Jorge Manuel Portugal Rodrigues







 

7 comentários:

Unknown disse...

Um grande abraço amigo, e muita força.
Fátima

joel disse...

As minhas condolências a toda a família. Gostei de conhecer este Sr, ainda recordo algumas historias de quando falavas dele. Um grande abraço
Joel Vieira

Unknown disse...

Sinto muito, Jorge, mas a vida é assim!
Abraço.
Ana Cristina

Unknown disse...

O teu Pai bem merece as tuas palavras. Um homem invulgar pela sua maneira de sentir e viver a vida com sabedoria e "à frente do tempo" e acima de tudo com enorme personalidade e qualidades humanas. Mas é como dizes Jorge, o teu Pai neste momento há-de estar a concertar soluções e a debater questões. :) Um forte abraço. Luís Portugal (filho do Jaime)

Isabel Portugal disse...

Vai continuar a viver no coração de cada um de nós sim...
Beijinhos
Isabel Portugal

Unknown disse...

Tudo o que dizes, Jorge Manuel, é verdade. Todavia eu quero dizer mais alguma coisa.
O Tio Jorge era o meu último tio vivo, nos dois ramos da minha família. Essa circunstância, tendo sido justissimamente benéfica para ele, não o foi menos para mim, visto que me deixou o melhor para o fim. Gostei o que pude, fui capaz ou foi possível de todos os meus tios. Mas gostei mais do Tio Jorge. Suponho que não é segredo para ninguém. Mesmo que fosse pouco importa, ele sabia, dito por mim.
Durante anos a fio partilhámos um hobby um tanto esotérico - criação de canários. Há muitas razões comuns para pessoas comuns terem hobbies esotéricos, mas as mais tocantes são as inconfessáveis, justamente, as esotéricas. O que nós falámos da vida a falar de cruzamentos selectivos e ocasionais. A alegria que lhe li nos olhos quando visitou o nosso novo escritório, no pátio do qual projectei e construí uma gaiola/complexo para aves de cativeiro, pensando nele e no meu Pai, acaba por ficar inscrita no melhor cadinho da minha memória.
Das muitas vezes que o Jorge Ernesto Rodrigues me falou do José dos Santos, essa tarde foi aquele momento precisoso e que nunca mais, em que acabámos os dois sentados no murete com o meu Pai ao lado. Só voltei a ver o brilho de lágrimas nos olhos do Jorge Ernesto Rodrigues em duas ou três circunstâncias festivas em que os filhos lhe dedicaram leituras afectuosas.
Nessa tarde do Verão de 2003 vi-me, pois, sentado no murete com o Jorge Ernesto Rodrigues e o José dos Santos. Quando nos despedimos, pela meia tarde, arrumei a mesa de trabalho e fui ver o Rio Douro.
E inscrevi na memória indelével, para recordar mesmo que perca a memória analógica, esse previlégio de ter privado com uma ausência saudosa através de uma presença querida. E, mais a frio, percebi que ao teu Pai terá sido fácil convocar o meu Pai e vice-versa. Na verdade, percebi, tratava-se de almas-gémeas e toda a gente sabe que as almas-gémeas podem o que querem, quando querem e onde querem, apenas escolhendo com quem querem.
Jorge Ernesto Rodrigues e José dos Santos pertencem a um sub-tipo humanóide em vias de extinção irreversível. Eram conhecedores e praticantes de uma arte difícil e muito custosa que, à luz do Mundo de hoje, vê-se como uma autêntica "alquimia existêncial". Tudo o que de MAU a vida lhes trazia era por eles aceite e depois de circular pelo interior do seu ser - corpo, coração, alma - saía límpido e BOM.
Toda a desconcertante adversidade era, apenas, uma insignificante contrariedade. Toda a assustadora incerteza era, apenas, uma luminosa oportunidade. Toda a evidente impossibilidade era, afinal, um simples desafio. Ferramentas como compreensão, solidariedade, persistência, resiliência, atenção, sensibilidade, prospectiva eram, para eles, o mesmo que punções, martelos de bola e face chata, tenazes, dobradores, alicates de pontas curvas, etc, etc, etc... Ferramentas, prontas a usar.
E foi assim que, por mais 22 anos, o Tio Jorge prolongou a vida do meu Pai.
Neste momento tenho uma tranquilizadora certeza - entre os dois, já estará escolhida uma bela e acolhedora nuvem, com vista para um vale de imenso e luminoso azul na qual, não vá o José dos Santos não ter tido tempo, o Jorge Ernesto Rodrigues, estará a acomodar os nossos banquinhos.
Não fora esta merda de vida a que nos fomos deixando submeter, entre obrigações inúteis e desígnios fúteis, e eu teria menos razão para ter dores de alma com as ausências.
Não perde pela demora Tio Jorge, teremos as horas do infinito para derimir aquele fascinante mistério do que os belgas fizeram à raiz do Serinus canaria.
Assim que for tempo ou razão, correrei Tio.
Grande abraço.

Tiago Portugal Lopes disse...

Primo Jorge... é muio bonita esta curta história de vida que escreveste sobre o teu pai... é uma bela homenagem... É um Homem que jamais esqueceremos. Muita força e fiquem bem... Tiago Portugal Lopes